O Preço da Carne*
"Se não reduzirmos o consumo de carne, teremos epidemias cada vez piores"
Chineses costumam encarar qualquer coisa que se mova como um alimento à sua disposição. Eles consideram o animal um mecanismo, um objecto, cuja dor e sofrimento não nos dizem respeito. Ironicamente, os piores exemplos de maus tratos acontecem na mesma Ásia onde nasceu o budismo - a mais benevolente e avançada religião do mundo no trato com os animais.
Nos tristemente famosos "mercados de vida selvagem" asiáticos há de tudo. Mamíferos, répteis, insectos, batráquios, tudo vai para gaiolas apertadas e lotadas sem água nem comida. Qualquer foto desses mercados é um permanente festival de sangue, urina e fezes. Há mais do que cheiro ruim no ar: existe medo. E vírus de diferentes espécies novas se combinando uns com os outros.
As imagens mais chocantes registram o que esses mercados destinam aos cães. Os mesmos cães que aqui viram membros da família, ajudam cegos ou orientam equipes de salvamento. Lá, cachorros são comida. E não se deixe enganar: esses mercados chineses não existem para "matar a fome do povo". Chineses pobres comem frango e peixe. Os cães são "iguarias" caras, assim como gatos, escorpiões, cobras, enguias etc.
Eu tive a chance de ver fotos e vídeos desses mercados. Os cozinheiros acreditam que a adrenalina no sangue dos cães amacia a carne. Quanto mais sofrimento, mais apetitoso o prato. Em nome dessa carne macia, a palavra de ordem é torturar os cães até a morte. Eu já via foto de um pastor alemão sendo enforcado na viga de uma cozinha, sendo puxado pelos pés. Eu já testemunhei um vira-latas com as patas dianteiras amarradas para trás do corpo e desisti de imaginar o tamanho de sua dor. Assisti ao vídeo de um cão magrinho que foi mergulhado em água fervendo, retirado, teve sua pele inteirinha arrancada e ainda olhava a câmara, tremendo junto à panela onde foi cozido em vida.
A pergunta básica é: nós, humanos, temos direito a isso? Quem nos deu esse direito? Temos o direito de jogar uma lagosta viva na água fervente? Temos o direito de comer um peixe fatiado ainda vivo no seu prato num restaurante japonês? Temos o direito de prender bezerros em lugares escuros, imobilizados por toda sua curta vida, por um vitelo? Nosso paladar é tão importante assim na ordem das coisas? Um sabor diferente em nossas bocas justifica tudo?
A questão ultrapassa a esfera da ética e da civilidade. A
SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome) nasce no chão imundo dos mercados chineses. A doença da vaca louca - permanente ameaça na nossa pátria do churrasco - surgiu quando obrigamos o gado a se canibalizar. O terrível ebola
EBOLA ( febre hemorrágica) se espalha com cada homem africano que devora nossos primos biológicos, gorilas e chimpanzés. Vírus mutantes saltam do sangue de aves para o dos homens sem defesas naturais. Segundo a revista inglesa The Economist, nada menos que 60% das doenças humanas surgidas nos últimos 20 anos têm origem em outras espécies animais.
Tony McMichael, pesquisador da Universidade Nacional de Austrália, é bastante claro: "Vivemos num mundo de micróbios. Precisamos ser um pouco mais espertos no jeito como manejamos o mundo ao nosso redor.
" Mercados chineses e churrascos africanos parecem fenómenos distantes. Mas o brasileiro continua dependendo demais de alimentação animal. Temos uma churrascaria por quarteirão, e numa cidade de 12 milhões de habitantes, como São Paulo, contam-se nos dedos os restaurantes vegetarianos. E ainda temos um lobby querendo ampliar a oferta de animais nas geladeiras: avestruzes, capivaras, jacarés, tudo criado em cativeiro com carimbo do Ibama. A cada nova espécie consumida pelo homem, mais uma mistura de vírus - algumas combinações inofensivas, outras não.
Para tentar controlar essas doenças, cometemos mais brutalidade: enterramos milhões de aves vivas, afogamos gatos selvagens em piscinas de desinfectante. Provocamos o desastre e massacramos as vítimas. Temos um caminho inteligente: racionalizar, humanizar e diminuir cada vez mais o consumo de animais. Ou podemos continuar o banho de sangue. Aí, todos nós pagaremos o preço.
Quando uma borboleta bate as asas na Europa, pode iniciar um furacão no oceano Pacífico. A
Sars começou em mercados chineses e chegou ao Canadá. A gripe aviária já se espalhou por diversos países asiáticos e ameaçam lugares distantes como o Paquistão e a Itália. Num mundo de voos directos, os gritos desesperados de um cachorro chinês podem chegar um dia ao Brasil por meio de alguma nova e tenebrosa sigla.
Dagomir Marquezi, jornalista, editor sénior da revista
Playboy Brasil * artigo publicado na
Revista Super Interessante
Por outro lado temos também o polémico consumo de produtos, ditos naturais que apresentam níveis de pesticidas demasiado elevados e nocivos para o ser humano. Os
Legumes, considerados antigamente como fonte de vitaminas e sais minerais, hoje são (mais) uma fonte de preocupação.
Não discordando do que o jornalista Dagomir Marquezi escreve no seu artigo, pergunto-me:
“ O que vamos comer então?”
E vem-me à memória o que costumava dizer à minha mãe, quando ela me obrigava a comer, e eu, sem tempo, devorava a comida quase sem a mastigar:
"Porque não inventam uns comprimidos com gosto de comida ? Seria tão mais fácil! Escolhia-mos o que iríamos almoçar ou jantar e engolia-mos os comprimidos com uma bebida a gosto".
Já lá vão mais de 30 anos que eu dizia isto e no entanto parece-me bastante actual. O que constato, é que estamos a ficar sem alternativas e que se nada for feito, em breve os tais comprimidos farão parte de todas as dietas e programas de nutrição.
Para trás vão ficar as boas e gostosas sopas de legumes, cheias de vitaminas e os batidos de fruta fresca com leite do dia. Os boiões de comida são já a grande alternativa na comida de crianças pequenas, será que vão ser a alimentação de toda a população mundial?
Os vindouros jamais saberão o gosto de uma maçã colhida de arvore não sulfatada, felizmente para mim, eu sei !!!