quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Um conto

Amor Platónico

Com os poemas mandavas sempre uma flor, esta foi uma delas....Conheceu-o num Janeiro frio e solitário.
A sua presença foi-se impondo, um pouco de cada vez, até que tomou o espaço vago há demasiado tempo.
As suas palavras doces, depressa a fizeram sentir-se especial. Não era paixão o que havia entre eles, era amor. Um amor que nasceu sem que nenhum deles tivesse feito algo para que isso acontecesse. Eles completavam-se. Eram almas gémeas, das que raramente se encontram nas viagens pelo cosmo.
Foi por um acaso que se "conhecerem" e sem nunca se terem encontrado, sabiam-se um ao outro como a si próprios. Nos silêncios que ambos faziam, o outro conseguia "ouvir" as doces palavras de amor que nunca foram ditas. Era platónico o amor que sentiam.
Aguardavam com ansiedade a hora marcada para se "ligarem" e sem um minuto de atraso, lá estavam eles, prontos para teclar horas a fio, sem ver o tempo passar. Pela madrugada continuavam a teclar, falavam de tudo e de nada, coisas importantes, como a situação política do país, ou contavam piadas inocentes. Algumas vezes, no meio da conversa, ele escrevia um poema e mandava-lho, outras vezes as suas palavras eram o poema.
Nunca vi duas pessoas cujo entendimento fosse tão perfeito, cuja harmoniosa relação, fosse assim exemplar. E foi assim durante meses, anos até, ele escrevia a poesia e ela admirava-a. Um dia as coisas mudaram, os poemas deram lugar às cobranças.
-Porque demoras tanto a responder? Estás a falar com quem?
- Com ninguém! Não estou a falar com mais ninguém, estava a ler o teu último poema "Escape", adoro este poema.
-Pois ... e eu vou mesmo acreditar que estavas a ler o meu poema...
- Adeus, até amanhã, não aguento mais isto.
E ela começou a "ligar-se" cada vez mais tarde, ele por sua vez ligava e desligava, só para controlar o tempo que ela passava na Internet. A harmonia que existia entre eles, cedeu lugar à desconfiança e o relacionamento exemplar, foi-se degradando. Ele sufocava-a com as perguntas e as cobranças. Daquele amor deles, bonito e puro, ainda que platónico, já quase nada restava.
Ela tentava manter pelo menos a amizade, mas o ciúme cegou-o, e, num dia de Janeiro, assim como tinha entrado, ele saiu da vida dela e nunca mais apareceu. Acabaram-se as conversas, acabaram os poemas, acabou o amor e nem a amizade restou.
Ela ainda pensa nesse jovem que alegrou os seus dias e sobretudo as suas longas e solitárias noites, pensa nele, porque, apesar de tudo, o carinho que lhe tinha, mantém-se incólume.
Tem dias que se sente culpada por não ter sabido cortar as aspirações dele, por ter, como ela diz:- Colocado lenha na fogueira. Mas, o tempo vai passando e vai apagando do coração a mágoa, um dia só restará a boa lembrança e uma certeza, que na hora certa ela verá o seu poeta chegar.

Fim

Miragem®