quarta-feira, outubro 06, 2004

Aula de Desenho



Meu filho põe sua caixa de pintura à minha frente.
Pede que eu desenhe um pássaro.


Ponho o pincel no pote de cor cinza
e pinto um quadrado com fechaduras e grades.

Seus olhos se enchem de surpresa:

Mas isso é uma prisão, papai!
Não sabes desenhar um pássaro?

E lhe digo: - Filho, me perdoe.
Esqueci a forma dos pássaros.

Meu filho põe então o caderno de desenhos à minha frente.
E pede para que desenhe uma espiga de trigo.


Tomo um lápis.
E desenho uma arma.

Meu filho ri de minha ignorância, perguntando:
Papai, não sabes a diferença entre uma espiga de trigo e uma arma?

E digo:
Filho, uma vez usei a forma da espiga de trigo, a forma do pão, a forma da rosa.
Mas nestes tempos duros as árvores da floresta se juntaram aos homens da milícia

e a rosa agora veste uniformes escuros.

Neste tempo de espigas,
de trigos armados,
de pássaros armados,
de cultura armada,
e de religião armada,
não se pode comprar o pão

sem encontrar uma arma em seu interior.

Não se pode colher uma rosa do campo
sem que seus espinhos nos arranhe a cara.

Não se pode comprar um livro
que não vá explodir entre nossas mãos.

Meu filho se senta na borda da minha cama
e pede que eu recite um poema.

Uma lágrima cai de meus olhos na almofada.

Ele a toma, surpreendido, dizendo:
Mas esta é uma lágrima, papai!

Não é um poema!

E lhe digo:
Quando cresceres, meu filho,

e quando aprenderes o diwan da poesia árabe,
descobrirás que "palavra" e "lágrima"

são irmãs gêmeas e que o poema árabe não é mais do que uma lágrima
chorada por dedos que escrevem.

Meu filho toma seus pincéis,
a caixa de tintas da minha frente e pede que eu desenhe uma pátria.

O pincel treme em minhas mãos e eu me afundo, chorando...


Nizzar Qabbani
Escritor Sirio
1923- 1998
Considerado um dos maiores poetas árabes do amor e da política.
Destacou-se com obras eróticas que quebraram as tradições literárias do Oriente Médio e pela defesa incansável da emancipação da mulher.